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O Cisne Preto e Branco

por Martin Haag | 24 de junho de 2020

Já dá para fazer cenários para o Pós-Pandemia? Talvez seja cedo demais. Ou não? Tudo bem. A ideia deste artigo é fornecer uma ferramenta de análise e projeção.

Nós sentimos segurança quando temos conhecimento sobre aquilo que fazemos, sobre as condições do ambiente onde atuamos. E quando estamos seguros, acreditamos no futuro, investimos em projetos. Mas isso não garante que não haverá surpresas e que nossos projetos não sejam ameaçados por eventos isolados ou pela súbita urgência de um novo ciclo de eventos. 

Os estrategistas estão comprometidos em garantir o planejamento, ou seja, o futuro. Por isso, é muito frustrante quando ocorre algo que ninguém havia previsto, já que se perdem os recursos investidos em um caminho, que todos consideravam seguro, e também se torna muito penoso retomar as posições já conquistadas. 

De todo modo, seria muito melhor se, em meio à desordem dos eventos, pudéssemos reconhecer antecipadamente algum princípio de ordenamento, algum sentido. Isso nos permitiria enxergar mais longe, pensar em outras lógicas, e, com isso, ao menos, reduzir os impactos de novos eventos emergentes. 

No seu livro “The Black Swan”, de 2007, Nassim Nicholas Taleb escreve sobre uma lógica de ocorrência de fenômenos, pela qual tudo parece estar indo muito bem até que algo extraordinário acontece. Trata-se de algo surpreendente, traumático – simplesmente, porque não estava no nosso radar. Ninguém pensava que podia ocorrer, portanto ninguém coletava dados, observava, ou conversava a respeito. (Em tempo: Taleb, dessa forma, havia previsto a crise de 2008).

A metáfora que Taleb usa remonta ao sec XVII. Os holandeses ficaram chocados ao descobrir, na Austrália, que existiam cisnes negros. Ao contrário da profunda verdade que consideravam como um fundamento, agora não seria mais possível dizer “todos os cisnes são brancos”.  

Ao longo da História, essa falha de organização mental levou países, organizações, e mesmo indivíduos, a ficarem frente a frente com eventos que não faziam parte de sua lógica, que não eram considerados base para seus planos. Nesses casos, ciclos são interrompidos bruscamente, trajetórias são encerradas. Forma-se um trauma, uma perda definitiva, acima da capacidade instalada para sua reposição. Após o trauma, não tem jeito, precisa-se renovação, reconstrução, para que novas condições de existência sejam possíveis. 

Há muitos anos me dedico ao exame atento de ciclos econômicos, sociais e culturais. E tenho aprendido a formar cenários muito seguros para o planejamento, ou seja, sobre o futuro. Para fundamentar essas atividades, de planejamento e estratégia de negócios, a análise de ciclos é uma forma poderosa de gerar análises bem estruturadas e fazer projeções sobre a evolução de sistemas. Dessa forma, pode-se apontar com grande segurança a formação de novos comportamentos e as prováveis atualizações que sofrerá a organização da sociedade. 

Recentemente, examinei com atenção processos de ruptura, preocupado em qualificar projeções sobre a recuperação de ciclos culturais, ou por reconstrução, ou por transformação. Ao comparar alguns desses movimentos, tive insights sobre padrões de processos de ruptura. Ao que me parece, com efeito, tem sido estudado muito pouco como se dá a reorganização dos sistemas sociais após os traumas. Temos os fatos, reunimos os dados, mas pouco conhecimento é gerado sobre os porquês de um caminho, e não outro. 

A figura da terra arrasada é frequente na narrativa pós-traumática. “Não havia mais nada”, “foi preciso construir tudo do zero”, “as pessoas recomeçaram suas vidas”. Esses traumas retiram a coluna vertebral de um sistema. Entretanto, quem sobrevive ainda possui memórias, e agora lida com a nova realidade, baseando-se, naturalmente, em conhecimentos prévios, coisas que já se executava, ou se imaginava. Ao que me parece, há uma destruição, sim, quase total, do fator central de organização cultural. 

O corpo se desmonta. Mas, ao lado do eixo de sustentação arrasado, sempre esteve presente na cena pré-traumática uma oferta suficiente de movimentos secundários, associados a ideias marginais, tecnologias embrionárias, narrativas disruptivas, ou economias nichadas. Os traumas sociais corroem a principal base de sustentação. O que eu percebi de forma mais aguda é que esquecemos de considerar, como parte constituinte do processo, que há um inventário de outras opções disponíveis. E que nessas opções estarão os recursos de recomposição, ou de inauguração, de novos ciclos. 

Aqui me lembrei do livro de Taleb. Com efeito, essa falha de organização mental que estou apontando não se origina de uma ignorância absoluta, como foi no caso do “cisne negro”, para aqueles fundadores da Nova Holanda, em 1697. Na época, simplesmente não havia o menor indício, e logo ninguém considerava que pudessem existir quaisquer cisnes que não fossem os brancos. Mas, para o meu insight, percebi que há uma ignorância, parcial, acerca de outros possíveis cisnes. Trata-se de aves com características intermediárias. Curiosamente, estão bem do nosso lado, e parecem resistir à inclusão no grupo dos “cisnes oficiais”. Com efeito, o que é similar à metáfora do “Cisne Negro” é que há fatos, conhecimentos, informações, que já estão disponíveis em um sistema, mas que ainda não são “verdades” dentro da nossa forma de pensar, ou “consciência”. A esses “fatos intermediários” resolvi chamar de “cisnes preto e branco”. Trata-se de cisnes “não-oficiais”, que na ocorrência de um trauma têm um grande potencial de se transformarem nos novos pilares de sustentação do sistema.

Os cisnes com as cores “preto e branco” são lindos. Essa espécie é chamada oficialmente de “pescoço preto”. Eles vivem ao sul da América do Sul, em risco de extinção. Mas, a propósito, ainda não foram usados como metáfora na análise estratégica. Mesmo habitando o mesmo território que eles, só os conheci porque fiz essa pergunta simples e corri para o Google: “existem cisnes com outras cores?”. O que eu queria saber é se haveria alguma posição entre os extremos, os polos branco e preto. Resultado: uma série de novos pensamentos.

O que eu fiz foi criar uma ferramenta de análise, um gabarito, com o qual posso organizar os casos examinados. Já extraí muitas conclusões interessantíssimas, e acredito que boa parte dos padrões observados se constitui em um recurso excelente para apoiar a construção de cenários, para o que se poderia chamar de “reorganização do sistema”. Nesse momento, essa capacidade se tornou muito valiosa, pois estamos vivendo uma situação traumática, que tem a lógica de cisne negro. Ou seja, pegou todos de surpresa, e agora precisamos nos ajudar, para poder voltar a formar uma consciência de vida cotidiana. Qual o real alcance de toda essa pandemia? E como será a recomposição do mundo depois do trauma?

Art Nouveau (BEL)

A sociedade industrial do final do sec XIX provocou uma visão poderosa sobre a renovação do design. Como um autêntico “outlier”, o movimento belga Art Nouveau*** começa a sua produção a partir de 1880, fora dos espaços consagrados das manifestações artísticas. Suas aplicações manifestam novas fronteiras artísticas, como construção civil, produtos de consumo e comunicação.

Assim como ocorreu em muitos países, a 1a. Guerra Mundial também foi traumática para as atividades artísticas. Um dos mais traumáticos Cisnes Negros da Modernidade. Os países envolvidos reduziram sua atividade econômica, os projetos privados foram suspensos, e surgiram profundos questionamentos sobre os fundamentos da própria vida moderna, que havia pouco começava a ganhar formas humanizadas, orgânicas, imaginativas.

Com o final dessa traumática guerra, as sociedades se reorganizam, e novamente retomam os ciclos de produção industrial. Nesse momento, uma nova estética ganha força, a Art Déco. A partir de um salão de arte “mainstream”, na Paris de 1925, a “art nouveau” é retirada da posição marginal em que se encontrava, e agora seus fundamentos inspiram os principais movimentos que se seguirão: cubismo, abstração geométrica, construtivismo e o futurismo.

Inicialmente, apresentou-se como design para produtos de luxo. Mas, chegará aos EUA, em poucos anos, e os fundamentos daquele movimento agora ganha um lugar central. Após o trauma, temos um novo sistema para a linguagem simbólica da sociedade industrial, um novo padrão central, que aconteceu graças à influência de um lindo Cisne Preto e Branco.

A dinâmica do “Cisne Preto e Branco” pode ser encontrada em diferentes momentos traumáticos, como a Gripe Espanhola no Brasil, O surgimento do Barroco na Europa, os traumas da 2a. Guerra Mundial na Europa, e nos Estados Unidos, da Guerra do Vietnã, ou das ditaduras militares na América Latina.

A lógica do Cisne Preto e Branco vai se repetir na Pandemia / Manifestações BLM? Acredito que sim. Por isso, pergunto: quais são os Cisnes PB que já estavam ao nosso lado, que não estavam no centro da organização da sociedade, e que poderão ser protagonistas após o trauma contemporâneo?

No dia 30 de junho, você poderá assistir uma apresentação ao vivo, onde darei mais detalhes sobre a abordagem do cisne preto e branco. Minha intenção é falar com as pessoas que tenham um interesse em aplicações para suas organizações, e ajudá-las a identificar os seus próprios cisnes preto e branco, e projetar como eles podem crescer. 

A apresentação será de 1 hora e será feita no formato LIVE, pelo Google Meet. Inscreva-se aqui, para receber informações de acesso: https://bit.ly/LIVE-cisnepb

*** “Jugendstil” (ALE), “Modernistas” (ESP), “Style Moderne” (FRA)